O Contraditório na Tutela Provisória na Urgência Inaudita Altera Parte
Este artigo explora o contraditório na tutela provisória de urgência inaudita altera parte, destacando o equilíbrio entre os princípios da efetividade da jurisdição e do contraditório. Aborda como decisões urgentes podem afastar o contraditório inicial, analisando a aplicação do postulado da proporcionalidade no Direito Processual Civil
Jeferson Merchiori
10/11/20247 min read
A tutela definitiva, proferida após a conclusão da apreciação do conflito pelo Estado-juiz e após o esgotamento de todas as possibilidades de manifestações das partes, é caracterizada por um processo em cognição exauriente e com caráter de definitividade. Porém, a tutela padrão exige tempo. Em determinados casos não é possível aguardar a tutela decretada em cognição exauriente. Nestas situações, a tutela provisória garante a antecipação ou a asseguração do direito pretendido através de uma cognição sumária. Podendo ser proferida, até mesmo, ates da manifestação ou citação da parte contrária.
São essas situações que levam ao problema deste trabalho. A decisão proferida em face da tutela provisória da urgência inaudita altera parte viola o princípio do contraditório?
Para solucionar este problema é necessário examinar como funciona o contraditório na tutela provisória da urgência. Para tanto é preciso constituir o conceito de tutela provisória, analisando especificamente a tutela provisória da urgência. Compor o conceito de princípios e a funcionalidade deste em um Estado Democrático de Direito, abordando especialmente os princípios do contraditório e da efetividade de jurisdição, bem como, evidenciar como ocorre a solução de colisões entre princípios.
O Estado, ao assumir a responsabilidade pela solução de conflitos, eliminando a possibilidade de autotutela, se comprometeu a apreciar qualquer lesão ou ameaça a direito. Tal situação garantiu a inafastabilidade da jurisdição, instituindo o direito fundamental à tutela jurisdicional. Uma tutela jurisdicional deve ser apta a proporcionar decisões justas, tempestivas e uteis ao demandante. Portanto, uma tutela jurisdicional deve ser efetiva.
Para que isso ocorra, o juiz, representante do Estado e responsável pela definição das normas jurídicas aplicáveis ao caso concreto, exerce uma atividade cognitiva. Essa atividade consiste na investigação dos fatos ocorridos, através da análise das alegações e provas evidenciadas. Para que essa atividade seja realizada de forma satisfatória é necessário o exercício do contraditório.
Contudo, uma decisão com base em uma cognição exauriente e que garante o exercício pleno do contraditório, demanda tempo. Porém, nem sempre as condições fáticas da demanda possibilitam a espera pelo decurso normal do processo. Uma vez que o andamento lento do litígio pode gerar prejuízos ou risco de prejuízos para a parte detentora do direito.
Para solucionar este problema são necessários mecanismos capazes de assegurar o resultado prático que normalmente se teria no final do processo. Neste contesto é que a tutela provisória é inserida no ordenamento jurídico.
A tutela provisória, que se divide em tutela provisória da urgência e tutela provisória de evidência, busca mitigar os riscos de danos ou injustiças causados pela demora na concessão da tutela em cognição exauriente. A tutela provisória possibilita a antecipação ou, ao menos, a asseguração do direito, mesmo não havendo elementos para o deferimento da tutela definitiva. Inclusive com a possibilidade, nos casos da tutela provisória da urgência, da concessão da medida antes da manifestação ou citação da parte contrária.
Nestas situações há a prevalência do princípio da efetividade da jurisdição sobre o princípio do contraditório, devido à situação de urgência. Uma vez que princípios não possuem hierarquização, quando ocorrem colisões, como nesse caso, deve prevalecer aquele que se apresenta como mais essencial. A essencialidade do princípio que deve vigorar é determinada com a aplicação do postulado da proporcionalidade.
Princípios são mandamentos de otimização, que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Os princípios são extraídos da constituição, matriz de todo o sistema processual. Em seu texto encontram-se todas as normas balizadoras do direito processual brasileiro.
O que define a intepretação e a aplicação dos princípios são os seus conflitos com valores antagônicos. Há situações em que ocorrem conflitos entre esses princípios contrastantes, havendo necessidade de um sobressair, mesmo que momentaneamente, sobre os outros. A solução para esses conflitos é apresentada pelo postulado da proporcionalidade. Cabendo ao magistrado ponderar os princípios em conflito para determina o qual é o mais adequado, o mais necessário e a solução mais justa para o caso concreto.
Nos casos das tutelas urgentes inaudita altera parte, há um conflito entre os princípios do contraditório e da efetividade da jurisdição. Usualmente, a apreciação de qualquer pedido exige o prévio contraditório. Entretanto, em situações de urgência, onde o perigo de dano ou de ilícito, ou o risco ao resultado útil do processo estiverem configurados antes ou durante o ajuizamento da demanda, se deve afastar a exigência do contraditório. No entanto, não havendo riscos de ocorrência de dano antes da citação e manifestação do réu, não há justificativa para a prevalência da efetividade da jurisdição sobre o contraditório.
As situações de concessão de tutela provisória da urgência inaudita alteram parte não violam o princípio do contraditório, uma vez que este é afastado em detrimento de outro princípio, neste caso a efetividade. Tal situação é possível por não existir uma hierarquização entre princípios, devendo ser aplicado aquele que melhor atende as características do caso concreto. O contraditório, nessas situações, é deslocado para momento posterior à concessão da providência urgente.
REFERÊNCIAS
AGRA, Walber Moura. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. Rio de Janeiro; Forense, 2014. Disponível em < https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-85-309-5451-2/cfi/6/34!/4/10@0:61.9>;, acesso em 14 de maio de 2018.
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008.
ALVIM, Eduardo Arruda. Tutela Provisória, 2ª ed. São Paulo: Saraiva: 2017.
AMENDOEIRA, Sidnei. Manual de Direito Processual Civil - Teoria Geral do Processo e Fase de Conhecimento em Primeiro Grau de Jurisdição, 2ª ed. São Paulo: Saraiva: 2012.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual. 3º ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
BRASIL. Código de Processo Civil. Promulgada em 16 de março de 2015. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>;, acesso em 05 de março de 2018.
BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituicaocompilado.htm>;, acesso em 17 de maio de 2018.
BRASIL. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Promulgada em: 04 de setembro de 1942. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm>, acesso em 21 maio de 2018.
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Direito Processual Civil, Volume 1. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil: Volume Único, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro, 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2017.
CHAVES, Érika Gomes. Direito Fundamental à Tutela Jurisdicional Efetiva na Cobrança do Crédito Fiscal. Disponível em: < http://www.pgfn.fazenda.gov.br/centrais-de-conteudos/publicacoes/revista-pgfn/ano-iii-numero-5-2013/...;, acesso em 15 de maio de 2018.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 26ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2010.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. O Processo Civil no Estado Constitucional e os Fundamentos do Projeto do Novo Código de Processo Civil Brasileiro. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 209, p. 349 – 374. 2012.
DESTEFENNI, Marcos. Natureza Constitucional da Tutela de Urgência. Porto Alegre: S. Antônio, 2002.
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada, Tutela Provisória, Volume 2. 10º ed. Salvador: Jus Podivm, 2015.
FILHO, Misael Montenegro. Curso de Direito Processual Civil, 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2016.
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Volume 1, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
IX ENCONTRO DO FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS, 2018, Recife. Enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis. Disponível em: < https://diarioprocessualonline.files.wordpress.com/2018/03/carta-de-recife.docx>;, acesso em 17 de maio de 2018.
MARINONI, Luiz Guilherme. O Direito à Tutela Jurisdicional Efetiva Perspectiva da Teoria dos Direitos Fundamentais. Disponível em: < http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15441-15442-1-PB.pdf>;, acesso em 15 de maio de 2018.
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de Urgência e Tutela de Evidência. 1ª ed. São Paulo: RT, 2017.
SANTOS, Welder dos. Princípio do Contraditório e Vedação de Decisão Surpresa. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
SILVA, Jaqueline Mielke. A Tutela provisória no novo Código de Processo Civil. 3ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2017.
SOUZA, Artur César de. Tutela Provisória: Tutela de Urgência e Tutela de Evidência, 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2017.
STUSSI, Jurema Schwind Pedroso; PERREIRA, Adriana de Souza. Tutela Jurisdicional Efetiva, Desjudicialização e Novos Desafios do Direito de Família. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 986, p. 243-262. 2017
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Volume 1, 59ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
TRIVISONNO, Alexandre Travessoni Gomes (org.); SALIBA, Aziz Tuffi (org.); LOPES, Mônica Sette (org). Princípios Formais e Outros Aspectos da Teoria Discursiva do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: Teoria Geral do Processo, Volume 1. 16ª ed. São Paulo: RT, 2016
WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: Cognição Jurisdicional (Processo Comum de Conhecimento e Tutela Provisória), Volume 2. 16ª ed. São Paulo: RT, 2016.
WATANABE, Kazuo. Cognição no Processo Civil, 4º ed. São Paulo: Saraiva: 2012.
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela, 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
NEWSLETTER
© 2024. Merchiori Sociedade Individual de Advocacia - Todos os direitos reservados
CNPJ 46.411.805/0001-29 | OAB/PR 13.681
+55 (41) 99115-1678
+55 (41) 98464-5518
Nossos telefones
contato
NOSSO ENDEREÇO

