A Função Jurisdicional do Estado e a Tutela Provisória
Este artigo analisa a função jurisdicional do Estado e sua atuação na tutela provisória, destacando como a jurisdição busca harmonizar conflitos sociais. Explora princípios constitucionais, como o contraditório e a duração razoável do processo, e a necessidade de equilíbrio entre cognição exauriente e sumária para garantir decisões eficazes e tempestivas.
Jeferson Merchiori
12/11/20249 min read
A vida em sociedade, por toda sua complexidade, necessita de uma força ordenadora para coordenar os interesses que se manifestam na vida social, essa função ordenadora é cumprida por um ordenamento jurídico, que busca, justamente, harmonizar as relações sociais intersubjetivas. Porém, a existência de um direito regulador de cooperação não é suficiente para evitar ou eliminar possíveis conflitos, portanto, há a necessidade de existir mecanismos que possibilitem a imposição deste conjunto normativo, obstando a violação de direitos. [1] [2]
O Estado moderno assumiu a responsabilidade pela solução de conflitos interindividuais, abarcando a capacidade de resolver as demandas envolvendo pessoas e, inclusive, o próprio Estado, decidindo imperativamente e impondo decisões. A expressão desta capacidade imperativa e de imposição se dá pela jurisdição. [3]
Conceitualmente, jurisdição pode ser compreendida como uma função do Estado, por meio da qual se busca a composição de litígios, com a pretensão de pacificar o conflito, onde o Estado atua de maneira imparcial, em substituição aos titulares dos interesses divergentes. A jurisdição tem como finalidade a pacificação social, consistindo em um poder-dever do Estado, manifestado através da imposição de decisões, bem como pelo dever de elucidar qualquer conflito que lhe venha a ser apresentado. [4]
O exercício da jurisdição só ocorre por provocação, por conseguinte, o Estado não atua por conta própria, devendo aquele que se diz titular do direito que deve ser amparado instar o Estado-juiz a agir, assim, garantindo proteção no conflito em que está envolvido e um resultado concreto para o mesmo. A proteção oferecida recebe o nome de tutela jurisdicional. [5] Deste modo, “quando se fala em tutela jurisdicional se está a falar exatamente na assistência, no amparo, na defesa, na vigilância que o Estado, por seus órgãos jurisdicionais, presta aos direitos dos indivíduos”. [6]
O Estado, ao assumir a responsabilidade pela tutela jurisdicional, impendido a autotutela e assegurando o devido processo legal, garante que nenhum obstáculo poderá ser posto ao direito de submeter ao controle jurisdicional qualquer situação conflituosa que implique em lesão ou ameaça a direito, consagrando, desta forma, o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, previsto no artigo (Art.) 5º, Inciso XXXV da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 ( CRFB/88) e reafirmado pelo Art. 3º do Código de Processo Civil de 2015 ( CPC/15). Este princípio não garante apenas que a lesão será reparada, mas possibilita que a lesão seja evitada. [7] [8]
Inegável o acesso ao Judiciário e ao devido processo legal, o Estado-juiz confere a prerrogativa de que a tutela jurisdicional será conferida respeitando o contraditório e a ampla defesa (Art. 5ª, LV da CRFB/88), possibilitando, em igualdade de condições, a utilização de qualquer meio pertinente para induzir a decisão a seu favor. [9]
Por fim, proferido o resultado da apreciação do conflito pelo Estado-juiz e esgotadas todas as possibilidades de manifestação das partes, estará concluída a atividade jurisdicional com a concessão da tutela-padrão ou definitiva, caraterizada por um processo em cognição exauriente e com caráter de definitividade, que deverá ser respeitada e estará imune a modificações, inclusive por legislação superveniente e pelo Judiciário, quando decorrido o prazo para ajuizamento de ação rescisória. [10]
Entretanto, a prestação da tutela definitiva demanda tempo, justamente para garantir o contraditório e a ampla defesa. Porém, em determinadas situações, o decurso normal do processo pode assumir proporções sérias, uma vez que a demora pode gerar prejuízos ou riscos de prejuízos para uma das partes. O ônus do tempo recai, justamente, sobre aquele que é detentor do direito e que virá, ao final, merecer a tutela jurisdicional, transformando-se em vantagem para a parte que não é merecedora da proteção estatal. [11] [12]
Integrando o rol de princípios processuais presentes na CRFB/88, assim como os já citados, encontram-se a garantia fundamental da razoável duração do processo, presente no Art. 5º, Inciso LXXVIII da Carta Magna e a efetividade processual, que garante uma tutela adequada, efetiva e tempestiva, extraído do Art. 5º, Inciso XXXV da Constituição Federal. [13]
Diversas providências são necessárias para que a proteção jurisdicional seja oportuna e adequada, bem como dure apenas o razoável, entre as quais se destacam mecanismos capazes de assegurar o resultado prático que normalmente se teria no final do processo, mantendo circunstâncias para que tal resultado possa ocorrer futuramente ou antecipando o mesmo, considerando-se as situações de urgências ou redistribuindo o ônus da demora do processo. Não é sempre que é possível acelerar o processo como um todo, portanto, em determinadas condições há a necessidade de adiantar o possível resultado ou, ao menos, possibilitar que este resultado possa futuramente se concretizar. [14]
Nesse contexto que CPC/15 dedicou o Livro V da Parte Geral exclusivamente à Tutela Provisória, buscado mitigar os riscos de danos ou injustiças causados pela demora na concessão da tutela definitiva e minimizar os efeitos do tempo do processo para o litigante que, aparentemente, possui o direito a ser tutelado, embora não existam elementos suficientes para o julgamento definitivo. [15] [16]
A concessão da tutela jurisdicional antes do julgador possuir elementos para uma decisão definitiva, portanto, em cognição sumária, implica em restrições aos diretos do contraditório e da ampla defesa da parte que sofrerá a medida, sendo necessário, no caso concreto, levar à balança os valores jurídicos envolvidos para determinar qual o mais grave risco e assim conceder ou não a tutela provisória. [17]
A Cognição no Processo Civil e a Tutela Provisória
Como já abordado, a função jurisdicional tem por finalidade a resolução de conflitos por intermédio de um terceiro imparcial, neste caso, o juiz, representante do Estado que exerce seus poderes objetivando a solução da lide, empregando ao caso concreto o direito correlato. A atuação do magistrado se dá através da definição das normas jurídicas aplicáveis à situação apresentada e pela adoção de providências práticas para o cumprimento das determinações normativas. [18] [19]
No que tange à atividade de definição do direito aplicado ao caso levado à baila, o juiz desenvolve uma atividade cognitiva, que consiste na investigação dos fatos ocorridos, através da análise das alegações e provas evidenciadas, permitindo a delimitação da norma incidente ao caso e, consequentemente, a prolação da decisão. [20] [21]
A cognição se caracteriza como um ato predominantemente de inteligência, onde o magistrado analisa e valora as alegações e as provas produzidas pelas partes, cujo resultado é a base para o julgamento do litigio. [22]
A atividade cognitiva desempenhada pelo magistrado desenvolve-se de modo sistemático, organizado, em vista de objetivos pré-definidos, o juiz segue normas procedimentais e processuais, amparando suas decisões no devido processo legal. Tal situação se faz necessária devido à capacidade de imposição destes juízos, bem como, pela impossibilidade de revisão destes atos jurisdicionais, a não ser por outro ato jurisdicional. Em suma, o agente jurisdicional é o único capaz realizar atividade cognitiva com o objetivo de proferir decisões que serão impostas a outras pessoas e aptas a se tornarem definitivas, produzindo resultados vinculantes e estáveis. [23]
Essencialmente, a atividade cognitiva é a mais completa e aprofundada possível, uma vez que dá respaldo para as decisões que o juiz tomará, este é o modelo padrão da cognição jurisdicional, porém, devido à existência de diferentes necessidades de tutelas jurisdicionais, há valores que justificam a limitação da cognição, tais como a efetividade da tutela jurisdicional e a duração razoável do processo, estes princípios fundamentam a sumariedade de cognição para determinadas situações. [24]
A cognição pode ser analisada em dois planos. O plano horizontal, que diz respeito à amplitude da cognição, delimitando as questões que podem ser conhecidas pelo julgador e o plano vertical, relativo à profundidade da cognição referente às questões levadas ao conhecimento do juiz. Os dois planos possuem variações que podem se combinar. [25] [26]
Plano Horizontal
No plano horizontal, a cognição pode ser total ou parcial.
Considera-se cognição total quando não há limitações de questões passiveis de alegação, debate, instrução e decisão. Qualquer questão suscitada deverá ser examinada e resolvida. Como exemplo cita-se o procedimento comum, onde não se impõe limite de questões ou matérias nas pretensões formuladas pela parte autora, assim como não há limites para a defesa do réu. [27]
Nos processos em cognição parcial há limitações impostas pelo ordenamento jurídico, havendo matérias que não podem ser objeto de apreciação pelo juiz, ocorrendo uma delimitação nos temas passíveis de enfretamento, ficando o juiz impedido de conhecer as questões que foram excluídas pelo legislador, questões que deveram ser remetidas para outra demanda, caso a parte interessada assim o queira. Um exemplo de processos em cognição parcial são as ações possessórias, onde se discute apenas a posse sobre o bem, enquanto o direito a propriedade devem ser objeto de outro processo. [28] [29]
Plano Vertical
No plano vertical, a cognição pode ser exauriente ou sumária.
A cognição exauriente possibilita a ampla investigação por parte do julgador, permitindo o juiz proferir uma decisão com base em um juízo de certeza. Nesse modelo de cognição as alegações e provas são analisadas intensamente, permitindo ao magistrado exaurir todas as possibilidades e, desta forma, proferir a decisão precisa para a questão que lhe foi apresentada. A tutela em cognição exauriente garante o amplo exercício do princípio do contraditório, possibilitando, assim, a produção de coisa julgada material. [30] [31]
Diferente da tutela em cognição exauriente, na cognição sumária há limitação nos meios investigatórios, exigindo do julgador uma decisão de mérito com base nos elementos exíguos presentes no processo. As limitações existentes requerem que as decisões sejam derivadas de um juízo de probabilidade. As tutelas em cognição sumária propõem-se a assegurar a tutela jurisdicional do direito ou uma situação concreta que dela depende e antecipar um direito em vista de uma situação de perigo ou diante da existência de elementos que evidenciam o direito de uma das partes. [32] [33]
As tutelas em cognição sumária fundam-se no principio da efetividade processual, nos casos das tutelas da urgência antecipada e cautelar, uma vez que não seria possível o decurso normal da cognição exauriente para só depois decidir, pois assim o dano que se pretendia evitar já poderia ter se concretizado ou se tornado irreparável, ou no princípio da duração razoável do processo, nos casos da tutela de evidência, renunciando a uma cognição mais aprofundada diante da existência de elementos favoráveis a uma das partes, transferindo o ônus do tempo à outra. [34]
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