A Companhia Aérea cancelou o meu voo, não me ofereceu ajuda para resolver o problema. O que a Justiça do Estado do Paraná diz a respeito disso?
O artigo analisa decisão do Tribunal de Justiça do Paraná sobre cancelamento de voos sem assistência aos passageiros. Explora a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da Resolução 400/2016 da ANAC, abordando danos morais e materiais decorrentes da falta de reacomodação, reembolso adequado e soluções oferecidas pela companhia aérea e agência de viagens.
Alan Thiago Piske Salvador
12/11/20249 min read
Para mostrar qual tem sido o posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, escolhemos o processo informado abaixo. Esse pequeno trecho informa qual a “Turma” tomou a decisão, o número do processo onde a decisão foi tomada, o nome da Juíza que coordenou a tomada da decisão e a data em que tal decisão foi tomada.
Esclarecemos que os trechos que estão mais para a direita, são pedaços de texto tirados diretamente de um julgamento do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, e buscaremos explicar o que tem sido decidido em nosso Estado a respeito do problema. Vamos a isso.
(TJPR - 3ª Turma Recursal - 0034826-04.2022.8.16.0182 - Curitiba - Rel.: SUBSTITUTA DENISE HAMMERSCHMIDT - J. 03.09.2024)
Vemos que se trata de uma decisão tomada por uma “Turma Recursal”, essas são órgãos internos do Tribunal de Justiça do Paraná, formadas por mais de um juiz. É importante que isso seja dito, pois mostra que a decisão não veio de apenas um juiz, em algum Fórum do Estado, mas sim de um grupo de juízes que leram o caso, pensaram e tomaram uma decisão em grupo, o que faz dela uma decisão ainda mais forte e relevante.
O caso em análise trata de ação de indenização por danos morais e materiais, na qual os Recorridos alegam que adquiriram passagens aéreas da Recorrente, através do site da empresa interessada, com origem de São Paulo/SP, conexão em Lima/PER e destino em Punta Cana, visto que seriam padrinhos em um casamento realizado no local. As passagens estavam marcadas para o dia 02/06/2021 (ida) e 08/06 /2021 (volta). De acordo com os Recorridos, em 16/05/2021, receberam e-mail com a informação de que o voo de ida havia sido cancelado, sem qualquer justificativa, ocasião em que tentaram entrar em contato com a agência de viagens interessada e foram informados de que o reembolso dos valores ocorreria no período de 12 (doze) meses. Aduzem os Recorridos que a opção de remarcação do voo não foi oferecida, e o reembolso não foi efetuado dentro do período prometido, mesmo após diversas tentativas de contato com as requeridas. Pelos motivos expostos, e por afirmar que tiveram de adquirir novas passagens aéreas do seu próprio bolso, os Recorridos pugnaram pela condenação da Recorrente e da interessada em danos morais e materiais.
Nessa parte do texto vemos os juízes falando de “danos morais e materiais” que foram causados aos consumidores. Explicaremos o que são cada um desses “danos”.
O “dano moral” trata-se de um prejuízo psicológico que uma pessoa sofreu, por conta de uma injustiça que ela tenha sido feita contra ela. É um tipo de dano que não pode ser colocado em números, pois é algo muito pessoal, ou seja, que atinge cada pessoa de uma forma diferente. No caso do processo que foi julgado, esse dano psicológico foi a perda da oportunidade de participar de um casamento, um evento único, que caso seja perdido, não poderá ser repetido. A tristeza, frustração, raiva e indignação que a injustiça causou na pessoa faz com que ela tenha direito de ser indenizada, sendo que isso se dá através de um dano moral.
O “dano material” diz respeito a um prejuízo patrimonial que uma pessoa sofreu, por conta de um ato injusto que foi cometido contra ela. Isso pode ser a perda de dinheiro ou perda de bens. No caso do processo, o dinheiro das passagens canceladas não foi devolvido, assim como os consumidores tiveram que gastar ainda mais dinheiro para comprar novas passagens, já que a Companhia Aérea não os ajudou a fazer a viagem de outro modo. Dessa forma os consumidores, no caso narrado, sofreram um prejuízo financeiro que deu a eles o direito a serem indenizados.
O trecho destacado também fala que os consumidores prejudicados compraram passagens em uma Agência de Viagens, não diretamente com a Companhia Aérea, mas mesmo assim veremos que as duas empresas acabaram por ser responsabilizadas pela não prestação do serviço de viagem aos consumidores.
O texto do julgado mostra que os consumidores tentaram entrar em contato com a Agência de Viagens e com a Companhia Aérea, mas que nenhuma das empresas se prontificou a fornecer a viagem por outro meio, assim como os valores pagos não foram devolvidos dentro de um prazo razoável. Uma vez que nenhuma das empresas resolveu o problema de viagem, nem devolveu o dinheiro pago, os consumidores foram obrigados a desembolsar mais valores para a compra de novas passagens.
Primeiramente, quanto à alegação de ilegitimidade passiva, vale destacar que, ao realizar a oferta e vincular o seu nome a determinado serviço, no caso o voo, a empresa passa a ser responsável pelo seu cumprimento.
Diante da publicidade da oferta, é aplicável ao caso concreto o art. 30 do CDC, que assim dispõe: “Art 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado. ”
Ademais, é aplicável ao caso o texto dos artigos 7º, parágrafo único e 25, § 1º, ambos do Código de Defesa do Consumidor. Trata-se da aplicação da "teoria do risco-proveito", a qual considera civilmente responsável todo aquele que auferir lucro ou vantagem no exercício de determinada atividade.
Esses trechos do julgamento nos mostra que o simples fato de a Companhia Aérea colocar o seu nome junto com o da Agência de Viagens, no que diz respeito à prestação do serviço de viagem, fez com que a empresa aérea se tornasse responsável pelo oferecimento do serviço. Por essa razão os consumidores puderam ter a ação voltada não somente contra a empresa que vendeu as passagens, mas também contra a empresa que deveria ter prestado o serviço de transporte.
No mérito, é necessário apontar que a relação estabelecida entre as partes é tipicamente de consumo, enquadrando-se nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, sendo perfeitamente aplicável o artigo 6º, inciso VIII, o qual prevê a inversão do ônus da prova.
O trecho acima fala de “inversão do ônus da prova”, explicaremos o seu significado. Quando uma pessoa escolhe iniciar um processo judicial, normalmente ela é responsável por provar que tem razão naquilo que pede, sendo que a essa obrigação é dado o nome de “ônus da prova”. Acontece que nos casos judiciais que tratam de problemas envolvendo consumidores e empresas prestadoras de serviços ou produtos, a legislação determina que são as empresas que devem provar que o consumidor não tem os direitos que afirma ter.
Essa “inversão do ônus da prova” é muito boa para os consumidores, já que tira deles o dever, o trabalho e as dificuldades de trazer ao processo documentos e testemunhas, mas coloca essa responsabilidade sobre a empresa fornecedora de serviços ou produtos.
Na hipótese de cancelamento do voo, o transportador tem o dever de oferecer ao passageiro as alternativas de reacomodação na primeira oportunidade, reembolso ou execução do serviço por outra modalidade de transporte, nos termos do artigo 21 da Resolução 400 de 2016 da ANAC, a critério do consumidor.
No presente caso, a referida Resolução foi desrespeitada. As provas colacionadas aos autos demonstram que, após o cancelamento das passagens, os consumidores não tiveram a opção de reacomodação em outro voo, somente foram informados de que o reembolso seria efetuado dentro do prazo de 12 (doze) meses (mov. 1.12). Considerando que os Recorridos participariam de um casamento em Punta Cana, no dia 05/06/2021, precisaram adquirir novas passagens, de outra empresa aérea, para as datas anteriormente indicadas, pelo valor total de R$11.520,32 (onze mil, quinhentos e vinte reais e trinta e dois centavos, mov. 1.13).
Dos dois trechos mostrados acima, vemos que há uma regra elaborada por um órgão federal o qual determina que as empresas de transporte devem, na primeira oportunidade que tiverem, fornecer aos consumidores de serviços de transporte novos lugares em transporte diferente, devolução dos valores pagos pelas passagens ou então um transporte através de alguma outra via (navios, trens, ônibus, etc).
Mesmo com as diversas tentativas de solução do problema na via administrativa, por parte dos Recorridos, o reembolso dos valores foi efetuado somente após a data da viagem, e os consumidores foram privados de seus recursos financeiros por longo período de tempo.
Aqui vemos que os consumidores, no caso em questão, foram prejudicados financeiramente, já que o devido reembolso não foi feito pelas empresas no tempo certo, assim como os consumidores tiveram de realizar diversas tentativas de contato com as empresas, esforço este que nem mesmo deveria ter sido necessário.
Portanto, a reclamação dos Recorridos, a qual pretende a condenação da Recorrente ao pagamento de danos morais e materiais não diz respeito apenas ao cancelamento do voo, mas à falta de assistência e de oferecimento de solução adequada por parte dos fornecedores do serviço, que faz com que o consumidor suporte situação que ultrapassa o mero dissabor.
Esse trecho nos mostra todas as razões que levaram o Tribunal a conceder o pagamento de danos morais aos consumidores, sendo que as razões sãos as seguintes: (I) Cancelamento do Voo, ou seja, falta da prestação do serviço que havia sido contratado e pago; (II) Falta de Assistência e Solução, isso quer dizer que as empresas também não ofereceram outras soluções para que os consumidores fossem atendidos e tivessem os seus interesses atendidos; (III) Ultrapassagem de Mero Dissabor, melhor dizendo, os consumidores foram colocados em uma situação tão ruim que não sofreram somente uma chateação, mas tiveram prejuízos psicológicos sérios com a situação, maiores do que contratempos ou incômodos temporários.
Assim, entendo pela condenação da Recorrente ao pagamento de danos morais. O valor no arbitramento da indenização deve sempre ter o cuidado de não proporcionar, por um lado, o enriquecimento ilícito de uma das partes em detrimento da outra, nem por outro, a banalização da violação aos direitos do consumidor.
Percebe-se, portanto, que o valor arbitrado a título de dano moral (R$2.000,00 para cada Recorrido) encontra-se em conformidade com a jurisprudência, levando em consideração as peculiaridades do caso concreto. Vale apontar que o valor não pode ser majorado, sob pena de violação do princípio da non reformatio in pejus.
Pelos dois pedaços de texto acima, podemos ver uma importante informação a respeito dos Danos Morais, especialmente que eles não podem ser usados como fonte de “enriquecimento ilícito” por parte dos consumidores. Isso quer dizer que os valores de danos morais não podem ser altos a ponto de que o consumidor receba a ponto de ver seu patrimônio aumentado, mas tão somente deve ser devolvido o transtorno pelo qual teve que passar.
Há um pensamento errado entre a maior parte das pessoas, que acreditam que os valores de “danos morais” podem ser altos a ponto de a pessoa receber valores maiores do que tinha antes da contratação dos serviços mal prestados. Ocorre que esse pensamento não é verdadeiro, a não ser em situação excepcionais. Na maioria dos casos, os valores de danos morais são apenas para que as empresas sejam punidas pela sua má prestação, assim como para que o transtorno dos consumidores não passe em branco.
Quanto aos danos materiais, os Recorridos comprovaram o dispêndio de R$5.692,68 (cinco mil, seiscentos e noventa e dois reais e sessenta e oito centavos) com as passagens não utilizadas (mov. 1.5), e de R$11.520,32 (onze mil, quinhentos e vinte reais e trinta e dois centavos) com as novas passagens, de outra empresa aérea (mov. 1.13).
Portanto, deve a Recorrente proceder à restituição do valor das passagens canceladas (R$5.692,68 - cinco mil, seiscentos e noventa e dois reais e sessenta e oito centavos) e ao pagamento do valor excedente das novas passagens, em relação às originais (R$5.827,64 - cinco mil, oitocentos e vinte e sete reais e sessenta e quatro centavos). Vale ressaltar que as novas passagens foram adquiridas em caráter de urgência, sem antecedência, o que justifica a alta dos valores.
Muito embora cada caso seja único, os valores mostrados acima apresentam são próximos do que se vê na grande maioria dos casos, de forma que o consumidor já pode ter uma ideia do que esperar caso sofra uma situação semelhante ao caso mostrado na decisão explicada.
Caso você esteja passando, ou tenha passado por uma situação semelhante, sinta-se à vontade para entrar em contato, para que possamos analisar sua situação e oferecer respostas e ajuda para encontrar uma solução.
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